A todos nos foi dado a beber um único Espírito
1.ª Leitura (Act 2, 1-11): Todos ficaram cheios do Espírito Santo...
A primeira parte do livro dos Actos dos Apóstolos começa com o relato do Pentecostes, que constitui um dos seus momentos capitais. A efusão do Espírito Santo assinala o cumprimento da promessa do Ressuscitado (cf. leituras do domingo passado) e capacita os discípulos a encetarem a sua missão. Agora já se podem apresentar diante do mundo como verdadeiras testemunhas de Jesus Cristo. Na primeira parte desta leitura (1-4), todos os discípulos reunidos (1) vão viver, em dois momentos, uma experiência divina: primeiro, de maneira auditiva (2) descrita com a imagem de um vento (em grego: pneuma), que, vindo do céu com tão grande vigor e tão irresistível poder (sinal divino), enche toda a casa. Depois, com alguns elementos visuais: o fogo (mais um sinal da presença de Deus) e as línguas que se repartem para que cada uma se pouse visivelmente sobre cada um dos discípulos (3) ficando todos cheios do Espírito Santo (4). Lucas pedagogicamente comunica o significado de uma experiência interior, essencialmente espiritual, em termos e imagens familiares e compreensíveis a um auditório familiarizado com as teofanias do Antigo Testamento. Destacamos ainda, nesta primeira parte, a evidente inclusão significativa da palavra cada (vers. 3) provocada pelo termo todos (vers.1 e 4) que sublinha o carácter pessoal da relação do Espírito que deve levar à comunhão no mesmo Espírito.
A segunda parte da leitura (5-11) centra-se nos efeitos do acontecimento narrado; desaparecem os muros da casa onde estavam reunidos os discípulos, o cenário ganha uma nova amplitude, abarcando a cidade de Jerusalém onde residiam judeus de "todas as nações que há debaixo do céu" (5) e reúne-se uma multidão dominada pela surpresa desconcertante do fenómeno que observam e escutam: "pois cada qual os ouvia falar na sua própria língua" (6). Surge imediatamente a primeira pergunta (7) em que o objecto de admiração são os oradores. E a segunda (8) que, sublinhando o carácter extraordinário do fenómeno (cf. 6), exprime a situação dos ouvintes, que, pelo catálogo de povos apresentado (9-11), pela sua universalidade geográfica e étnica, representam "todas as nações" (cf. 5). Como se pode verificar pelos sublinhados, Lucas volta a repetir a inclusão revelando-nos que a acção do Espírito e, consequentemente a da Igreja, é a de falar a cada um, na sua situação concreta, como que numa relação pessoal e dignificante da pessoa. Nesta afirmação das diferenças e da diversidade se constrói a verdadeira comunhão de todos os povos; a antiga torre de Babel (Gn 11, 1-9) dividiu porque usou uma unidade artificial para o poder; na comunidade cristã, o Espírito une na medida que respeita e promove as diferenças, une na diversidade, responde aos apelos profundos de toda a humanidade anunciando uma boa notícia que todo o mundo poderá compreender e seguir.
Evangelho (Jo 20, 19-23): Recebei o Espírito Santo...
No culminar do tempo da Páscoa, relemos uma cena do próprio dia da ressurreição (já lida no domingo da oitava da Páscoa) como que a recordar-nos que o que hoje se celebra é realmente uma das faces da Páscoa de Jesus. O trecho evangélico como que completa a primeira leitura. Aí Lucas apresenta o Espírito Santo mais como uma força, uma energia comunicada por Deus aos discípulos tendo em vista a missão a realizar; aqui, João sublinha, antes de mais, que o crente depende vitalmente deste Espírito que moveu Jesus e que o identifica com Ele. Vamos dividir este texto em duas partes: a doação da paz (19-20) e a entrega do Espírito (21-23).
No meio da comunidade agarrada ao passado, que não compreende, fechada ao presente de que tem medo, sem coragem para se abrir ao futuro, Jesus regressa para juntos dos seus (19), para lhes fazer compreender que o Seu passado de morte (20) não foi o fim, mas a certeza actual de que a vida impera sobre a morte. Por isso não há que ter medo do presente nem do caminho da história. Com isto, chega a paz messiânica e com ela a alegria.
Mas é necessário algo mais para a missão (21). Para que esta seja possível é preciso que o mesmo Espírito que moveu Jesus - o Seu alento, o Seu respirar, a Sua vida - penetrem (22) na dos discípulos como que criando-os de novo (cf. Gn 2,7) e os consagre à Sua imagem para a missão. Pois a missão actual tem por modelo e fundamento a missão entregue pelo Pai ao Filho (21), que não veio para julgar (cf. Jo 3,17) nem para condenar o mundo mas para o salvar e libertar. Nesta nova criação, que nasce do Espírito entregue por Jesus à Igreja (cf. Jo 19, 30), a Paz, a Alegria e o Perdão tomam o lugar da desobediência (Gn 3, 5), do medo (Gn 3, 8) e do ódio (Gn 4).
2.ª Leitura (1Cor 12, 3b-7.12-13): Baptizados num só Espírito, para constituir um só corpo
Na comunidade de Corinto havia conflitos sobre as manifestações mais espectaculares da experiência da fé: tinham muito êxito o falar línguas e os êxtases, e causava grande admiração tudo o que fossem fenómenos espectaculares. Paulo responde desenvolvendo um duplo argumento sobre os dons espirituais: de origem (3b-7) e de função (12-13). A origem é única e mantém um controlo unificado: o Espírito. A função é plural, mas de maneira orgânica, isto é, dá-se uma diferenciação ao serviço do organismo. A confissão baptismal, reiterada pela afirmação do senhorio de Jesus só é possível por inspiração do Espírito (3b), é portanto um critério básico e primeiro para julgar os carismas. Existe então uma unidade de origem, Deus Trino, e uma variedade de manifestações (4-6), que devem estar ao serviço da comunidade (7).
No segundo argumento, Paulo propõe e desenvolve a imagem do corpo para exprimir a diversidade funcional a par da necessidade de correlação e interdependência. A pluralidade e a variedade estão ao serviço da unidade (cf. primeira leitura); a complementaridade de que se fala não é mais do que a realização diversificada do que Jesus Cristo é e do qual formamos parte pelo dom do Espírito recebido no baptismo.